O legado de Carl Sagan
O astrônomo que divulgava ciência como ninguém nos deixou um legado intelectual abrangente e de alto impacto filosófico – Estão aqui algumas reflexões que ilustram várias facetas do pensamento humanista e inspirador de Sagan
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A ciência é muito mais do que um corpo de conhecimentos. É uma maneira de pensar.
A afirmação é fundamental para entender a forma como o cientista enxergava o próprio ofício. Completamente apaixonado pelo que fazia, para ele ciências como a física ou a astronomia não se limitavam a um punhado de fórmulas frias e conceitos abstratos. Muito pelo contrário, eram ferramentas poderosas e fascinantes que nos permitiam sondar o desconhecido, além de expandir nosso entendimento sobre a realidade da maneira mais confiável possível.
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Toda criança começa como uma cientista nata, e então nós arrancamos isso delas.
Entre as características que ele valorizava em um cientista e em qualquer outra pessoa estão a curiosidade e a imaginação, traços típicos das crianças. Para o astrônomo, pensar cientificamente era algo como interrogar de forma metódica diversos aspectos da natureza, o que não deixa de ser uma forma de curiosidade aplicada. A respeito da imaginação, ele acreditava ser um dos motores fundamentais do conhecimento humano.
Um livro é a prova de que os humanos são capazes de fazer mágica.
Além da forte inclinação por especular, Sagan também era um intelectual com enorme capacidade de relacionar diferentes áreas do conhecimento – e fazia isso excepcionalmente bem. Para conseguir esta naturalidade em transitar por diversos repertórios, é preciso muita leitura e erudição multidisciplinar. Cosmos, por exemplo, é repleto de narrativas sobre a história da ciência, e em vários momentos o astrônomo declara sua admiração pelos livros.
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Nós somos uma maneira de o cosmos se autoconhecer.
Se somos feitos de poeira de estrelas sistematicamente organizada para formar seres dotados de consciência, então podemos dizer que somos o universo pensando sobre si próprio. A abordagem se insere na convicção de que nós, humanos, não somos tão diferentes assim da realidade física que nos cerca, e de que interagimos com ela constantemente – de formas que estamos apenas começando a entender. Em outras palavras, você e o cosmos estão intimamente conectados. O astrônomo costumava citar mitos de nossos antepassados que nos concebiam como filhos tanto do céu quanto da terra.
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Nossa obrigação de sobreviver e prosperar é devida não apenas a nós mesmos, mas também ao cosmos, antigo e vasto, do qual surgimos.
Sagan possuía um profundo senso de reverência com relação à vida e ao ser humano. Ele acreditava que estar vivo e ter uma consciência era não apenas um privilégio, mas também uma grande responsabilidade. Como salientou em diversos momentos, nossa espécie atingiu um ponto crítico de sua história, no qual tem o próprio destino nas mãos. Todo o conhecimento e bagagem evolutiva que acumulamos nestes poucos milênios podem ser usados de forma a engrandecer nossa civilização – ou então destruí-la por completo, se insistirmos nos erros do passado.
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Cada um de nós é, sob uma perspectiva cósmica, precioso. Se um humano discorda de você, deixe-o viver. Em cem bilhões de galáxias, você não vai achar outro.
A reflexão segue a mesma linha do raciocínio apresentado acima – a vida inteligente é rara. Nosso conhecimento sobre o Universo ainda é limitado, é verdade, mas pelo pouco que exploramos já conseguimos chegar a esta conclusão. Sob esta perspectiva, a vida na Terra, principalmente a humanidade, ganha um status quase que sagrado, pois é fruto de um processo contínuo de evolução que se arrasta há 4,5 bilhões de anos. Todos carregam esta bagagem compartilhada dentro de si. Quando enxergamos a vida desta forma, o ato de matar qualquer ser vivo ganha novas e gigantescas proporções.
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Diante da vastidão do espaço e da imensidão do tempo, é uma alegria dividir um planeta e uma época com Annie.
A frase é adereçada a Ann Druyan, esposa do astrônomo, mas poderia muito bem se aplicar a qualquer outra pessoa. A constatação é de um poder imenso. Apenas pense em como é improvável, nos termos de uma perspectiva cósmica, você e outro amontoado de átomos que formam um ser consciente terem a chance de interagir um com o outro, em um minúsculo planeta chamado Terra e em um período de tempo específico. Reflita: são mais de 100 bilhões de galáxias em nosso Universo, que existe há pelo menos 13,8 bilhões de anos.
Nós somos, cada um de nós, um pequeno universo.
Um assunto abordado com frequência por Carl Sagan era a dimensão das coisas muito pequenas, como aquelas que compõem nossos corpos. Ele frequentemente colocava o minúsculo em escala com o gigantesco, equiparando, por exemplo, a quantidade de átomos em uma molécula de DNA com a de estrelas em uma galáxia típica. É uma forma elegante de demonstrar como somos muito pequenos e muito grandes ao mesmo tempo. Em uma outra comparação do gênero, dizia que existem mais estrelas no Universo do que grãos de areia em todas as praias da Terra.
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O Universo não parece nem benigno nem hostil, mas meramente indiferente às preocupações de criaturas tão insignificantes como nós.
O cientista defendia que era melhor tentar se agarrar à realidade do jeito que ela realmente é do que persistir em ilusões, por mais reconfortantes que elas sejam. No fundo, ele queria dizer que, por menos acolhedor e mais adverso que o cosmos possa nos parecer, a verdade é que ele opera independentemente de nossos desígnios. Seremos nós que sempre vamos precisar nos adaptar ao Universo se quisermos sobreviver nele, e não o contrário. A chave para esta adaptação estaria em tentar constantemente entender a natureza das coisas por meio da ciência.
O céu nos chama. Se não nos autodestruirmos, um dia vamos nos aventurar pelas estrelas.
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A exploração espacial era um tópico especialmente caro a Sagan, e ele próprio participou de diversos projetos da NASA, como o da sonda Voyager 1, que deixou recentemente o Sistema Solar. Em sua concepção, os poucos milênios de vida sedentária da humanidade não apagaram nosso instinto por explorar novos lugares e expandir nossos horizontes, traços típicos das sociedades voltadas para a caça e coleta. Ele acreditava que o gosto pela exploração era uma herança evolutiva para aumentar as chances de sobrevivência de nossa espécie, e que portanto, cedo ou tarde, vamos nos espalhar pelo espaço.
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Toda civilização sobrevivente é obrigada a se tornar viajante espacial, pela razão mais prática que se pode imaginar: manter-se viva.
A ideia da expansão pelo espaço no pensamento do astrônomo não se reduzia a um capricho meio romântico ou então à tendência humana de explorar. Ela tinha mais a ver com uma espécie de instinto de sobrevivência. Não é tão difícil de entender este argumento: se a humanidade inteira está confinada na Terra e algo acontece com o planeta, estamos condenados à extinção. Asteroides são uma grande ameaça, mas nosso próprio sol pode nos engolir daqui a 5 bilhões de anos, quando seu combustível acabar e ele virar uma gigante vermelha.
Uma das grandes revelações da era da exploração espacial é a imagem da Terra, finita e solitária, de alguma forma vulnerável, transportando a espécie humana inteira pelos oceanos do espaço e do tempo.
Entre as mensagens inspiradas pela ciência mais belas da história certamente está Pale Blue Dot (pálido ponto azul), de autoria de Carl Sagan. Pouco depois de a sonda Voyager 1 ultrapassar Saturno, foi ele quem deu a ideia de tirar uma foto da Terra, que dali aparecia como um pixel azul suspenso em um raio de sol. Ou então um grão de areia suspenso no céu da manhã, como ele mais tarde interpretou. Entre as muitas formas que podemos enxergar nosso frágil planeta, uma delas é como uma nave, que sempre nos transportou pelo espaço e pelo tempo.
Fonte: Galileu
Assista a série Cosmos de Carl Sagan
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